Inovar ficou barato. Errar, não

27 de outubro de 2025

por Cristina De Luca | Publisher The Shift

Inovar ficou barato. Errar, não

Por décadas, inovar foi privilégio de quem podia gastar pesado. A lógica era simples: mais P&D, mais vantagem. Só que essa Por décadas, inovar foi privilégio de quem podia gastar pesado. A lógica era simples: mais P&D, mais vantagem. Só que essa equação se quebrou. O Bain Innovation Report 2025 mostra que as empresas mais inovadoras do mundo não são as que investem mais, mas as que já entenderam que inovação não é gasto. Inovação é alocação de capital.

 

Baseado em entrevistas e dados de 20 empresas listadas entre as 50 mais inovadoras do mundo pela Fast Company, o estudo mostra que as empresas líderes em inovação estão crescendo além de seus mercados centrais, com resultados financeiros superiores e ciclos de desenvolvimento mais curtos. O que diferencia essas empresas não é quanto investem em P&D, mas sim como tomam decisões de investimento e com que convicção fazem isso. A Bain chama isso de uma “nova engenharia da inovação”, onde disciplina, foco e clareza de propósito substituem o mito do orçamento ilimitado.

 

O dado que melhor traduz esse movimento é financeiro: entre as companhias de capital aberto incluídas no estudo (10 das 20 analisadas), oito superaram seus pares em retorno total ao acionista, e quatro ficaram no quartil superior de seus setores. Neste contexto, inovação não é apenas discurso de marca, mas desempenho comprovado em resultados.

 

O relatório também revela um padrão consistente: 94% das empresas analisadas querem expandir além de seus negócios centrais. Afirmam estar comprometidas com novos setores ou modelos de negócio, mesmo quando o core continua forte. E 88% colocam a inovação entre as três maiores prioridades da agenda executiva, ao lado de lucro e performance. O relatório chama isso de “Motor 2”, que é a capacidade de criar novas fontes de crescimento enquanto o Motor 1 ainda está em funcionamento.

 

A Bain resume bem: “A inovação não é uma função; é a estratégia.”

 

O que mudou radicalmente foi o custo de inovar. Ferramentas de IA generativa, prototipagem digital e simulações virtuais reduziram o preço de tentar. O ciclo que antes levava meses agora cabe em dias. Mais de 60% das empresas analisadas já usam IA para gerar ideias, testar protótipos e validar conceitos; 31% reduziram em mais de 20% o tempo de design-to-launch. A tecnologia encurta o caminho, mas não substitui o raciocínio humano. Como resume o relatório: “AI can’t dream. Humans can.” A máquina acelera o pensamento, mas ainda depende de quem saiba imaginar.

 

 

Esse é o paradoxo central da nova economia da inovação: quanto mais acessíveis ficam as ferramentas, mais raro se torna o julgamento. O risco deixou de ser apenas financeiro e passou a ser estratégico — antes, gastava-se muito para errar tarde; agora, gasta-se menos para errar cedo. A mesma tecnologia que democratiza o acesso aumenta a complexidade do sistema. Escalar inovação ainda exige capital pesado: infraestrutura, nuvem, dados e energia. O Technology Report 2025, da Bain, estima que o mundo precisará investir cerca de US$ 500 bilhões anuais em data centers para sustentar a demanda de IA. Inovar ficou mais fácil na fase inicial — ideias, testes, protótipos —, mas mais caro no back-end: infraestrutura, talentos e governança.

 

Há também um custo humano. A IA acelera o processo, mas não substitui o pensamento. Criatividade, empatia e julgamento continuam essencialmente humanos. Como disse um dos executivos ouvidos: “A máquina ajuda a pensar mais rápido. O que ela ainda não faz é pensar diferente.” Não por acaso, 89% dos líderes priorizam entender necessidades humanas antes de qualquer atalho algorítmico, e 72% integram empatia em todas as fases do desenvolvimento. O futuro da inovação, segundo a Bain, é combinar velocidade tecnológica com escuta humana verdadeira.

 

 

As empresas mais inovadoras aprenderam que inovar rápido sem convicção é o novo desperdício. Para lidar com isso, 79% delas já operam dois sistemas em paralelo: um voltado à eficiência e previsibilidade, outro à exploração e risco calculado. Mesmo com ferramentas que prometem democratizar a inovação, mais da metade dos executivos (56%) prevê que ela se tornará mais centralizada — um sinal de que, à medida que as ideias se espalham, a decisão precisa se concentrar. Governança volta a ser palavra-chave.

 

A inovação, para a Bain, não é caos criativo — é arquitetura.

 

Testar nunca custou tão pouco; transformar nunca exigiu tanto. O custo da inovação hoje é menos financeiro e mais organizacional — convicção, foco e disposição para errar cedo. O barato da inovação é o que a torna mais exigente: a velocidade cobra responsabilidade. Em um ambiente em que experimentar custa menos, o papel do conselho muda. O diferencial competitivo não é mais o cheque, é o juízo. Inovação precisa ser tratada como portfólio de risco, não como centro de custo. Cabe a conselhos e C-suites decidir quantas apostas financiar, com quais métricas, por quanto tempo e sob que tipo de governança. A inovação barata exige uma disciplina cara: accountability.

 

No fim, o Innovation Report 2025 é menos um manual sobre tecnologia e mais um espelho de cultura corporativa. Na era da IA, a vantagem não é mais escalar rápido, mas aprender rápido. Na era industrial, as barreiras eram capital, marca e distribuição; hoje, foram substituídas por uma mais sutil: a arquitetura de aprendizado. As empresas que dominam essa arquitetura transformam curiosidade em valor e erro em eficiência. As que não dominam continuam confundindo orçamento com inovação — e é aí que o barato sai caro.

 

O futuro será de quem entende que inovar com baixo custo, mas sem convicção, é desperdício. O verdadeiro ativo estratégico não é a tecnologia, mas a capacidade de transformar aprendizado em vantagem antes que o concorrente aprenda a fazer o mesmo.

 


Conteúdo originalmente produzido e publicado por The Shift.
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