Nos últimos 30 anos, três siglas definiram como interagimos com a tecnologia. Primeiro foi a UX (User Experience), que nos ensinou a desenhar produtos a partir da perspectiva do usuário, e não do engenheiro. Depois veio a DX (Developer Experience), que colocou os desenvolvedores no centro, exigindo APIs limpas, documentação clara e ambientes de trabalho amigáveis. Agora, uma terceira sigla desponta no horizonte: a AX (Agent Experience).
Revisitado no início do ano por Mathias Biilmann, CEO da Netlify, o conceito de Experiência do Agente ganhou de Sean Roberts, head de AX Architecture da empresa a definição mais pragmática até hoje: facilidade com que os agentes de IA podem acessar, compreender e operar em ambientes digitais para atingir objetivos definidos pelo usuário”.
É também uma definição sólida, que reflete a atual situação das empresas no uso de agentes: apenas construindo interfaces que os agentes podem acessar, e não necessariamente ambientes nos quais eles podem operar de forma autônoma.
Poucas empresas fizeram progressos reais na viabilização de fluxos de trabalho de agentes. A Stripe já publica sua documentação em Markdown para que agentes consigam indexar e recuperar contexto de forma mais eficiente. A Netlify e a Neon priorizam APIs como ponto central de interação, permitindo que agentes descubram e invoquem funções críticas de forma programática. Algumas plataformas já habilitam paralelização: um agente pode disparar múltiplos fluxos em paralelo, comparar resultados e escolher o melhor caminho.
Esses avanços reduzem consumo de tokens, diminuem atritos e aumentam confiabilidade. Mas ainda partem de uma premissa implícita: haverá sempre um humano por perto para corrigir o que quebrar.
Portanto, o que ainda temos é uma experiência acessível ao agente, não uma experiência verdadeiramente autônoma. Em última instância, agentes ainda pedem ajuda. Interrompem um fluxo. Precisam que alguém atualize um token, redefina um sandbox ou reconecte uma API. Roberts chama isso de “portar DX”, e não de criar uma nova linguagem de design.
Uma boa AX visa garantir que os agentes de IA possam oferecer experiências eficientes e de alta qualidade com o mínimo de envolvimento do usuário. Ou seja, compreendam, naveguem e executem tarefas sozinhos. O princípio mais importante do AX ainda é centrado no ser humano: esses agentes existem para nos ajudar. Mas é a nossa interação com o agente — não o sistema subjacente — que agora define a experiência. Bons exemplos já estão por aí. A Siemens já reduziu em 25% o downtime de equipamentos críticos com agentes autônomos em manutenção. O JPMorgan experimenta agentes em trading para cortar custos de supervisão. O Financial Times fala em ganhos de produtividade entre 12% e 90% em pilotos recentes.
À medida que entramos na era das interações impulsionadas pela IA, a Experiência do Agente está se tornando tão essencial quanto a UX e a DX já foram.
Para John Maeda, vice-presidente de Design e IA da Microsoft, a AX é apenas a continuação lógica da evolução do design digital: depois de cuidar da jornada do usuário e da simplicidade para desenvolvedores, chegou a hora de projetar para agentes. Só que, ao contrário de humanos, eles não se encantam com cores ou microinterações: precisam de semântica clara, padrões estáveis e zero fricção. APIs, integrações, documentação, padrões de autenticação e até fluxos de onboarding precisam estar preparados para que agentes autônomos consigam operar sem fricção.
Quando os agentes de IA entregam resultados consistentes e precisos, os usuários desenvolvem confiança no sistema, proporcionando maior adoção. Uma boa AX significa menos atrito, e os usuários têm maior probabilidade de confiar nos agentes para suas tarefas.
Na prática, a AX envolve projetar experiências em que a agência do sistema seja transparente, confiável e alinhada com os valores humanos. Essa mudança requer uma nova filosofia de design, que leve em conta a interação entre o controle humano e a autonomia da máquina e aborde desafios éticos, psicológicos e práticos.
Mas como criar uma ótima Agent Experience? A resposta passa por cinco princípios que reorientam a forma como pensamos interações digitais. Porque, embora muitos dos princípios que tornaram a UX e a DX bem-sucedidas ainda se apliquem, a AX enfrenta desafios específicos devido à forma como a IA opera.
São eles:
1. Comunicação otimizada para IA
Ao contrário dos humanos, que são naturalmente hábeis em interpretar elementos visuais e ícones, os agentes de IA prosperam com dados estruturados e de fácil assimilação. Como a linguagem nativa da IA são os embeddings numéricos, é crucial projetar o AX em torno de métodos otimizados para o consumo da IA.
Isso se concentra em estruturas de dados limpas e na minimização de sobrecarga computacional desnecessária. Isso permite interações mais fluidas e rápidas entre agentes e plataformas.
2. APIs claras e acessíveis
Uma API limpa e bem definida é fundamental para qualquer ótima experiência com o agente. Assim como o DX se concentra em APIs fáceis de usar para desenvolvedores, o AX exige APIs com as quais os agentes possam interagir de forma confiável.
Essas APIs devem oferecer documentação clara, endpoints estáveis e dados bem estruturados. Muitos produtos que antes não exigiam APIs precisarão investir na construção ou aprimoramento delas para garantir que os agentes possam acessar a funcionalidade completa.
3. Integração simples para humanos e agentes
Para tornar a interação fluida, a integração deve ser o mais tranquila possível, tanto para o usuário quanto para o agente. Oferecer processos de configuração fáceis e intuitivos, como comandos de um clique, garante que os agentes possam começar a trabalhar rapidamente, sem sobrecarregar o usuário.
Quanto mais tranquila for a experiência inicial, maior a probabilidade de os usuários adotarem e confiarem no agente para executar tarefas.
4. Operações de agentes eficientes e automatizadas
Após a integração do agente, o próximo passo é garantir que suas operações sejam o mais fluidas possível. Os agentes devem ser capazes de concluir tarefas sem etapas manuais desnecessárias. Seja iniciando ações, gerenciando recursos ou analisando dados, o processo deve ser automatizado e eficiente. Isso reduz a carga de trabalho tanto para os usuários quanto para os próprios agentes, garantindo a máxima produtividade.
5. Supervisão humana quando necessário
Embora os agentes devam ser capazes de operar de forma autônoma em muitos casos, haverá situações em que a intervenção humana será essencial. Para ações de alto risco, como transações financeiras ou alterações em sistemas críticos, um fluxo de trabalho de aprovação que exija verificação humana deve ser implementado. Isso garante um equilíbrio entre autonomia e controle para aumentar a confiança nas capacidades do agente.
Então, como é realmente o AX?
Primeiro, exige que as plataformas exponham funcionalidades de forma que os agentes possam entender. Isso significa APIs limpas e bem documentadas. Estruturas de dados previsíveis. Menos endpoints ambíguos. Pense nisso como um design amigável para máquinas.
Em segundo lugar, os agentes precisam de contexto. Se um agente de IA for encarregado de remarcar uma consulta médica, ele precisa saber sua disponibilidade, localização, preferências de profissionais e restrições de plano de saúde. Sem esses dados, ele fracassa — ou, pior, toma uma decisão ruim.
Transparência também importa. Quando um agente faz uma escolha em seu nome, os usuários precisam entender o porquê. Isso não é apenas uma questão de UX — é um imperativo de confiança. Líderes de design já estão explorando maneiras de incorporar explicabilidade às interfaces. Pense nisso como “mostrar seu trabalho”, mas para software.
E, por fim, os humanos ainda precisam de controle. Só porque os agentes são autônomos não significa que devam ser opacos. O design de experiência baseado em agentes deve incluir saídas claras. Isso significa ter maneiras de anular decisões, reverter ações ou optar por não participar completamente.
“Quando interagimos com agentes, depositamos nossa confiança na capacidade deles de entender e executar nossas intenções. Essa confiança nos permite relaxar e descansar, sabendo que a complexidade está sendo gerenciada em nosso nome. Isso cria riscos”, explica John Maeda. Como mitigá-los é a grande questão que, se não for respondida, certamente atrasará o progresso na AX.
Assim como a UX foi vista como um detalhe estético antes de se tornar fator de sobrevivência, o AX corre o risco de ser subestimado. Mas, na era dos agentes, quem não projetar para eles pode descobrir, tarde demais, que também deixou de projetar para os humanos. Escolhas de design criteriosas aprimoram a experiência geral, incentivando taxas de adoção mais altas e garantindo que agentes e humanos possam trabalhar juntos com eficiência.
Lembrando sempre que AX não é fazer UX para IAs, mas saber como projetar serviços que podem ser utilizados por IA, para, em última análise, estender e aprimorar a experiência do usuário final.Uma ótima experiência de agente começa com uma ótima colaboração. A forma como os agentes de IA interagem com o software definirá a próxima geração de design de produtos. E a principal conclusão é esta: UX, DX e AX estão interligadas — o sucesso de cada uma depende da força das outras.
Embora a UX e a AX compartilhem o objetivo de criar interações significativas, elas diferem significativamente em sua abordagem, escopo e execução. Vejamos.
- Iniciativa e controle: na UX, o usuário é o principal iniciador das ações, com o sistema respondendo a entradas explícitas (por exemplo, clicar em um botão). Na AX, o sistema pode iniciar ações com base em necessidades inferidas ou pistas contextuais, reduzindo a necessidade do usuário de microgerenciar as interações.
- Proatividade x reatividade: a UX se concentra em projetar sistemas reativos que respondem de forma previsível às entradas do usuário. A AX enfatiza sistemas proativos que antecipam as necessidades do usuário, muitas vezes agindo antes que uma solicitação seja feita.
- Complexidade das interações: a UX normalmente lida com interações diretas entre humanos e sistemas, como navegar em um site. A AX envolve interações complexas e com várias etapas, nas quais o sistema pode se coordenar com outros agentes, fontes de dados externas ou dispositivos para atingir um objetivo.
- Confiança e transparência: a UX prioriza a usabilidade e a clareza nas interfaces. A AX estende isso para incluir mecanismos de construção de confiança, como explicar por que um agente tomou uma determinada decisão ou permitir que os usuários substituam ações autônomas.
- Foco no design: os designers de UX se concentram em interfaces, layouts e fluxos de usuários. Os designers de AX devem considerar a agência do sistema, os algoritmos de tomada de decisão e as implicações éticas do comportamento autônomo.
Projetar para AX requer um novo conjunto de princípios que se baseiam na experiência do usuário (UX) e, ao mesmo tempo, abordam os desafios únicos dos sistemas agênicos. Alguns princípios fundamentais incluem:
- Transparência e explicabilidade: os usuários devem entender por que um agente realiza determinadas ações. Por exemplo, se um aplicativo de navegação baseado em IA redireciona um motorista, ele deve explicar claramente o motivo (por exemplo, evitar o trânsito). Isso gera confiança e reduz o problema da “caixa preta” da IA.
- Controle e agência do usuário: embora os sistemas AX sejam autônomos, os usuários devem manter a capacidade de intervir ou personalizar os resultados. Por exemplo, um sistema de casa inteligente pode sugerir ajustes de iluminação, mas os usuários devem ter a palavra final.
- Consciência contextual: os sistemas AX devem aproveitar os dados em tempo real (por exemplo, localização, histórico do usuário ou fatores ambientais) para tomar decisões relevantes. Um aplicativo de fitness, por exemplo, poderia ajustar as recomendações de treino com base nos padrões de sono ou nos níveis de estresse do usuário.
- Design ético: os designers de AX devem abordar os vieses nos algoritmos de IA, garantir a equidade na tomada de decisões e priorizar a privacidade do usuário. Isso inclui proteger os dados usados para treinar sistemas agênicos e evitar consequências indesejadas, como resultados discriminatórios.
- Colaboração perfeita: o AX deve parecer uma parceria entre humanos e máquinas. Isso requer o design de interações que pareçam naturais e intuitivas, como interfaces conversacionais que imitam o diálogo humano.
O design AX também enfrenta desafios significativos:
- Equilíbrio entre autonomia e controle: autonomia excessiva pode fazer com que os usuários se sintam impotentes, enquanto autonomia insuficiente anula o propósito dos sistemas agenticos. É fundamental encontrar o equilíbrio certo.
- Confiança e confiabilidade: os usuários podem hesitar em confiar em sistemas que tomam decisões em seu nome, especialmente em contextos de alto risco, como saúde ou finanças. É fundamental garantir a confiabilidade e mitigar erros.
- Dilemas éticos: os sistemas autônomos podem inadvertidamente perpetuar preconceitos ou tomar decisões que entram em conflito com os valores dos usuários. Os designers devem antecipar e abordar essas questões de forma proativa.
- Complexidade da implementação: a construção de sistemas AX requer a integração de IA avançada, pipelines de dados robustos e conhecimento interdisciplinar, o que pode exigir muitos recursos.
À medida que avançamos em direção a um futuro impulsionado pela AX, o foco deve permanecer na criação de experiências que capacitem os usuários, promovam a confiança e se alinhem aos valores humanos. Ao enfrentar os desafios e abraçar as oportunidades da AX, podemos inaugurar uma nova era da tecnologia que não apenas responde às nossas necessidades, mas também colabora ativamente conosco para moldar um mundo melhor.
Na era dos agentes, projetar para eles não é opcional. Quem não o fizer descobrirá, cedo ou tarde, que também deixou de projetar para os humanos.
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