Vejo vir vindo no vento o cheiro da nova estação...

02 de junho de 2025

por Redação The Shift

Vejo vir vindo no vento o cheiro da nova estação...

Até pouco tempo, a inovação era considerada um fenômeno “local”: centros de pesquisa, clusters industriais e universidades eram vistos como ilhas criativas, onde o conhecimento circulava principalmente entre pessoas fisicamente próximas. Um estudo liderado por pesquisadores da Harvard Business School e Brown University mostra que a coisa não é bem assim: os inventores globais e “móveis” são hoje os grandes vetores da inovação internacional, conectando ecossistemas, difundindo novas tecnologias e acelerando ciclos de desenvolvimento, principalmente em países emergentes.

O estudo “Global Mobile Inventors”, conduzido por Dany Bahar, Prithwiraj Choudhury, Ernest Miguelez e Sara Signorelli, analisou mais de 6 milhões de patentes registradas no USPTO (Escritório de Patentes e Marcas dos EUA) entre 1970 e 2015, abrangendo cerca de 3,5 milhões de inventores em mais de 200 países. 

A ascensão dos inventores globais móveis

De acordo com a pesquisa, o número de inventores que cruzaram fronteiras ao longo da carreira — os chamados Global Mobile Inventors (GMIs) – cresceu mais de dez vezes nas últimas duas décadas. Em 1990, sua participação era marginal. Já em 2015, eles representavam cerca de 10% de todos os inventores ativos e estavam presentes em 30% das patentes registradas.

Esse crescimento superou até mesmo o avanço das chamadas Global Collaborative Patents (Patentes Colaborativas Globais) – patentes com inventores de diferentes países –, antes vistas como principal evidência da internacionalização da inovação. Além do volume, mudou o perfil das rotas migratórias. 

Até os anos 1990, a mobilidade de inventores era majoritariamente um fenômeno entre países desenvolvidos – Estados Unidos, Europa Ocidental e Japão. Mas a partir dos anos 2000, surgem novos protagonistas: China, Coreia do Sul e Índia passaram a figurar entre os dez principais destinos e origens desses talentos (veja gráfico).

Os fluxos mais relevantes são os de inventores que migram para países desenvolvidos, adquirem conhecimento e retornam aos seus países de origem — fenômeno conhecido como “return migration”. Segundo o estudo, esses “returnees” são ainda mais propensos a liderar inovações do que os inventores que permanecem no exterior: eles são duas vezes mais propensos a registrar patentes pioneiras ao voltar.

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De Einstein aos “superstars” da inovação atual

O fenômeno não é novo. Um exemplo bem claro e histórico é o do físico Albert Einstein e outros cientistas judeus alemães como Fritz Haber que, ao fugir da perseguição nazista, se estabeleceram nos Estados Unidos e revolucionaram campos como a Química e a Física. Décadas depois, matemáticos soviéticos fizeram o mesmo após o colapso da União Soviética, compartilhando seu conhecimento e deixando uma marca na Matemática norte-americana.

Esses casos ilustram o que os pesquisadores batizaram de “fenômeno Einstein”: a capacidade de inventores migrantes não apenas de continuar inovando em novos países, mas também de liderar ciclos inteiros de desenvolvimento tecnológico nesses destinos.

A novidade trazida pelo estudo é a demonstração de que esse fenômeno não é isolado, nem restrito a eventos históricos extremos. Ele é sistemático e crescente.

“Superstars” da inovação

Ao contrário do estereótipo do engenheiro médio, os Inventores Móveis Globais são uma elite: são altamente produtivos, com carreiras longas e profícuas. Segundo o levantamento, um inventor móvel registra, em média, 17 patentes – mais que o dobro do inventor local típico. Além disso, 44% de suas patentes são registradas por empresas que figuram entre as 100 maiores detentoras de propriedade intelectual no mundo.

Essa hiperprodutividade lhes garante o status de “superstars” a esses inventores por sua capacidade de inovar e, principalmente, transmitir conhecimento de modo subentendido, aquele difícil de codificar, para novos ecossistemas. Como resumem os pesquisadores neste artigo para o Working Knowledge: “São os poucos inventores capazes de transferir conhecimento através das fronteiras, compartilhar com os locais e liderar o desenvolvimento de novos ciclos tecnológicos”.

Como os inventores móveis moldam a inovação global

O estudo analisou a introdução e o desenvolvimento de 623 classes tecnológicas em mais de 200 países, e concluiu que os inventores móveis são 70% mais propensos a serem os pioneiros em uma tecnologia no país de destino, quando já tinham experiência prévia na área antes de migrar.

Esse efeito é ainda mais pronunciado em países em desenvolvimento, que estão mais distantes da chamada fronteira tecnológica. A presença de GMIs na fase inicial de uma tecnologia acelera sua absorção pelos inventores locais, criando ciclos virtuosos de desenvolvimento.

Outro dado relevante é que, conforme a tecnologia amadurece localmente, a participação dos GMIs na sua evolução declina. A sobre-representação dos inventores móveis é marcante nos primeiros 10% das patentes registradas em um dado país e tecnologia. Depois disso, o protagonismo passa, progressivamente, aos inventores locais. Ou seja, o conhecimento compartilhado e adquirido fica e gera inovação local. 

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O papel das redes de colaboração

Um dos insights mais relevantes da pesquisa é que a velocidade com que uma tecnologia é absorvida por inventores locais depende não apenas da presença dos inventores globais móveis, mas da qualidade das redes que estabelecem.

Os pesquisadores analisaram milhares de redes de coautoria e demonstraram que, quanto mais central o GMI estiver na rede local – isto é, quanto mais ele colaborar com inventores locais influentes –, mais rápida será a absorção da nova tecnologia. A presença de um inventor móvel altamente centralizada na rede de inventores locais pode aumentar em meio desvio padrão a velocidade de absorção do conhecimento. O efeito é ainda maior quando os coautores locais são, eles mesmos, bem conectados.

Por outro lado, medidas de centralidade que capturam a posição de “ponte” entre redes desconectadas, como a centralidade de intermediação (“betweenness”), mostraram impacto menos relevante. Isso sugere que intensidade relacional, mais do que posição estratégica isolada, é o que impulsiona a difusão do conhecimento.

Complexidade tecnológica e papel dos retornados

A pesquisa também revelou que o papel dos GMIs é mais crucial em tecnologias complexas – aquelas que apenas países com bases industriais diversificadas são capazes de desenvolver. Além disso, os inventores que retornam ao país de origem após uma temporada no exterior – especialmente aqueles que passaram pelos Estados Unidos – são particularmente eficazes como corretores de conhecimento. Isso se deve não apenas ao know-how adquirido, mas também à familiaridade cultural e linguística, que facilita a transferência de conhecimento implícito para os colegas locais.

Implicações para políticas públicas

Os achados têm profundas implicações para formuladores de políticas e líderes corporativos. O principal deles: mobilidade internacional de inventores é um motor de inovação e, portanto, deve ser incentivada, não restringida.

“Países podem se beneficiar ao encorajar cientistas e inventores a se mudarem e trazerem consigo seu conhecimento e experiência acumulados”, escrevem os autores.

Mas não basta atrair talentos: é fundamental integrá-los aos ecossistemas locais, promovendo redes colaborativas que contem com infraestrutura e sejam parte de um ecossistema maior. Esse aspecto é crucial para garantir que o conhecimento importado seja internalizado e sustentado pela comunidade local, criando capacidades autóctones.

A geopolítica da inovação: do Ocidente aos emergentes

Historicamente, os Estados Unidos lideraram como hub de atração e redistribuição de inventores. As maiores rotas migratórias de inventores envolvem movimentos de e para os EUA, especialmente de países como China, Coreia do Sul, Índia e Japão. Contudo, as últimas duas décadas marcaram a emergência de novos polos de inovação no Leste Asiático. China, Coreia do Sul e Índia não apenas enviam inventores, mas os recebem de volta, promovendo ciclos virtuosos de aprendizado e inovação.

Esse padrão coloca países emergentes em posição estratégica no novo mapa da inovação global, não apenas como receptores de tecnologia, mas como produtores e exportadores de conhecimento.

Migração como vetor de desenvolvimento econômico

Os resultados também reforçam a ideia de que a mobilidade humana é um determinante central do crescimento econômico, especialmente por meio da inovação.

“Se a relação que encontramos for representativa de outras áreas do desenvolvimento econômico, então pode-se argumentar que a mobilidade humana é parte central da solução para reduzir as lacunas entre países desenvolvidos e em desenvolvimento”, afirmam os autores.

Essa visão contrasta com discursos políticos recentes, que frequentemente associam a imigração a ameaças econômicas. Pelo contrário, sugerem os pesquisadores, a mobilidade de inventores e cientistas é um ativo estratégico, capaz de impulsionar a produtividade, fomentar novos setores e acelerar o desenvolvimento.

O futuro da pesquisa e da política migratória

Os autores reconhecem que a pesquisa atual não consegue estabelecer causalidade definitiva – afinal, países também podem adotar políticas deliberadas para atrair talentos quando decidem investir em novas áreas tecnológicas. Contudo, o robusto conjunto de evidências empíricas sugere que a presença de GMIs facilita e acelera esses processos.

Para futuros estudos, a equipe pretende investigar como a mobilidade humana afeta outros determinantes do crescimento econômico, para além da inovação tecnológica.

Enquanto isso, o recado para empresas, governos e universidades é claro: fomentar a mobilidade e criar ambientes propícios para a integração e colaboração dos inventores móveis é uma das principais estratégias para impulsionar a inovação e o desenvolvimento econômico neste século.


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